‘Guerra’ declarada: Beach tennis vira febre no Rio, amplia loteamento da orla e acaba no MP

Batalha começou em Ipanema, mas Grupo Ação Ecológica resolveu ampliar a briga para todo o litoral da cidade e outros esportes

 'Guerra' declarada: Beach tennis vira febre no Rio, amplia loteamento da orla e acaba no MP

Sem tempo ruim. Em point na Praia de Ipanema, alunos não abrem mão de treinar beach tennis nem em dias chuvosos: esporte já o principal entre os licenciados pela prefeitura na orla do Rio 

A Praia de Ipanema, que já foi palco da tanguinha ao apitaço, vira, de novo, cenário de alvoroço. Dessa vez, há uma “guerra” declarada, só que fora do Posto 9: ela acontece entre o Jardim de Alah e a Rua Henrique Dumont. Lá se instalou o maior point do Rio de beach tennis, que se transformou em febre na pandemia, ampliando o loteamento da orla por equipamentos fixos e reduzindo o espaço de banhistas.

A batalha já chegou ao Ministério Público estadual (MPRJ). Uma denúncia anônima, encaminhada ao órgão no mês passado e transformada em processo interno, está sob análise do promotor Pedro Rubim Borges Fortes, da Promotoria de Ordem Urbanística, e cita a ocupação desordenada e agressiva ao meio ambiente nesse trecho da areia.

O Grupo Ação Ecológica (GAE) resolveu não só entrar na briga como ampliá-la para todo o litoral da cidade e outros esportes. O advogado Rogério Zouein, diretor do GAE, anuncia que, como a praia é um bem da União, ingressará com representação no Ministério Público Federal (MPF). Alega que a orla é uma Área de Proteção Ambiental (APA) e que está havendo a descaracterização de um patrimônio paisagístico. Ele lembra que a paisagem é o bem maior da cidade, segundo sua Lei Orgânica e seu Plano Diretor.

Só nesse ponto, há 20 redes do esporte da moda, muito próximas umas das outras e que não são desmontadas. Mesmo em dias chuvosos, o espaço lota de alunos, professores e funcionários de três escolas. Nada satisfeitos, porém, estão moradores da vizinhança que, se quiserem chegar na beira do mar, precisam passar por estreitos corredores e se arriscar diante do vaivém de bolinhas.

— As traves e as redes de vôlei, futevôlei, beach tennis, montadas indefinidamente, formam um verdadeiro varal de roupas nas praias da Zona Sul, da Barra e do Recreio. Deveriam ser retiradas após o uso. Virou um mafuá; é preciso ordem — reclama Zouein.

É o beach tennis que predomina hoje entre os 300 espaços para atividades esportivas e físicas licenciadas na orla, também ocupada por 1.118 barracas autorizadas, montadas na areia. Vice-presidente da Associação de Beach Tennis do Estado do Rio (Abterj), João Paulo Nunan estima que haja mais de 400 redes para a prática do esporte, inclusive na Praia da Bica, na Ilha do Governador. Licenciadas pela Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) são 73, número que supera o do futevôlei (64), segundo colocado, e o do vôlei (42). Uma quadra de beach tennis mede 16m por 8m, ou 128 metros quadrados, sem recuos.

— O beach tennis chegou ao Brasil em 2008, mas começou a crescer muito em 2021. Com a pandemia, as pessoas passaram a procurar atividades ao ar livre. E, no caso do beach tennis, a idade não atrapalha — conta Nunan, acrescentando que uma hora de aula custa R$ 50, em média, e pacotes mensais, com duas aulas semanais, variam de R$ 280 a R$ 320.

Barracas autorizadas na areia — Foto: Editoria de arte

A Seop contabiliza 20 licenças para beach tennis na orla de Ipanema, número igual ao de redes instaladas só no point, sem considerar duas quadras destruídas pela última ressaca. Entre a Henrique Dumont e a Aníbal de Mendonça, são mais 15. O órgão informa ainda que é preciso manter um corredor para pedestres entre as quadras, de 50 metros de largura, e recolher redes e outros equipamentos — exceto traves — no fim do dia.

Quadra de beach tennis protegida por sacos de areia em Ipanema — Foto: Divulgação/Instagran

— Fico meio assustado, porque não sei onde essa ocupação vai terminar. Não fazem sequer um “corredor humanitário”. Antes, havia lugar na areia até para soltar pipa. Agora, dominaram um espaço público. Para segurar as quadras, depois do nivelamento, chegam a cercá-las com sacos de areia, que acabam furando e sujando a praia — diz o designer Sérgio de Souza, de 52 anos e morador há 17 na Henrique Dumont, que apela: — Queremos beach beach.

Esposa de Sérgio, a médica Renata Cravo tem buscado soluções para o impasse junto à prefeitura. No último dia 13, em resposta a uma solicitação, feita através da central 1746, soube que a Patrulha Ambiental esteve no local, constatando dano ambiental, embora não tivesse identificado o autor. Ela foi informada ainda que “será realizado contato com a Secretaria de Esportes e Lazer para verificar a autorização das quadras de tênis de areia, para posterior desmonte das irregulares”

Outro morador de Ipanema indignado, o jornalista e surfista Júlio Adler afirma que a prática esportiva na praia é bem-vinda, desde que a quantidade de quadras não seja excessiva:

 — O que não pode é a ocupação desordenada. Espaços públicos têm ser de livre acesso a todos e não tratados como pequenos clubes. Se nada for feito, imagina quando chegar o verão, quando a praia lota.

Futebol de porteiros e garçons acaba

Junto às redes e barracas do principal point de beach tennis sobrevivem uma quadra de vôlei e outra de futevôlei, além de uma área para treino funcional. Já as traves de futebol de uma quadra usada por porteiros e garçons foram remanejadas para perto do mar, e acabaram levadas pela água.

No tênis de praia — mistura de tênis tradicional, vôlei de praia e badminton — predominam as mulheres. Por aula, podem treinar até quatro pessoas ao mesmo tempo. Moradora do Jardim Botânico, a médica Elizabeth Machado, de 64 anos, começou a praticar o esporte há três, e é aluna da BTS Beach Tennis, que funciona no point de Ipanema.

— Faço algo mais livre, é muito gostoso. E ganhei em qualidade de vida — elogia.

As atividades nas praias do Rio — Foto: Editoria de arte

As atividades nas praias do Rio — Foto: Editoria de arte

Próxima à BTS, está instalada a escola da campeã pan-americana e sul-americana Flavia Muniz, com cinco redes — todas licenciadas, garante Flavia — 300 alunos, em média, e 11 funcionários. Sua escola foi fundada em 2011, no Leblon, migrando depois para Ipanema. A atleta contesta quem trata o beach tennis como esporte da moda, embora reconheça que houve uma maior procura na pandemia:

— O beach tennis existe no Rio há 14 anos. Não é mais uma promessa, uma moda, é uma realidade.

Em Copacabana, são 11 quadras de beach tennis licenciadas, oito de futevôlei e sete de vôlei. No bairro, a atividade só perde para o treino funcional (13). Na Barra, também predomina o beach tennis, com 20 quadras, contra 17 de futevôlei. O Leblon é outro ponto onde o esporte prevalece, com 12 redes autorizadas.

A Seop não informou quantas multas aplicou por ocupação irregular da orla por atividades esportivas e físicas.
*Imagem meramente ilustrativa: reprodução internet.

Fonte: O Globo Rio